Ah! Mas fui-o confirmando ao longo da vida. É mesmo pecado. E na primeira escola ficou completamente claro. Foi uma das primeiras vezes em que morri. «A menina anda com o fio ao pescoço por fora da bata porquê? Não tem vergonha? A dar nas vistas. É para os rapazes a verem? Quem faz isso são as prostitutas [assim, com todas as letras]. Quer atraí-los? Depois anda por aí nas ruas à espera que os carros parem, não é? Estude. Não dê nas vistas e faça como as freirinhas, que, Deus as abençoe, se dedicam a Ele e não usam nada que as distinga umas das outras. Não, não é carneirismo. É modéstia. Não é, professor?» Balbuciei um Je suis d?un autre pays que le vôtre, madame. E fui fuzilado. Ela, que além de professora de português-francês, acumulava com a estupidez o cargo de Diretora de Ciclo, fuzilou-me. Nem podia falhar, tal era o calibre dos olhos e a distância física que nos separava. E eu caí contra uma porta, todo crivado, e comecei a escorregar. Atrás de mim, as palavras que não tinha dito foram ficando a escorrer pelos vidros, pois já não poderiam sair-me da boca. Estava morto. Tinha a certeza. As palavras escorriam por todo o lado. Já formavam poças no chão.