Como posso ser poeta se o tempo Necessário ao exercício de mi'a arte Não o tenho - faz-se sempre partilhado C'os labores que a mim são exigidos? Quando a musa bela chega a visitar-me, Inspirando-me o mais perfeito verso, Cesso a escrita e com ela cessa o engenho. Magoada, leva a minha inspiração. Os poetas de outrora (penso eu), Que as mais belas poesias redigiram, Deixariam porventura seus ofícios E à cotidiana ação se entregariam? Posso eu submeter da arte as Musas Ao intervalo das mi'as muitas ações, Obrigando-as a servirem-me apenas No cansaço, quando cessa-me o labor? Tantas vezes companheiras se fizeram, Junto a mim permanecendo todo o dia, Ao ouvido me soprando as palavras Tão perfeitas, que unidas eram versos. Sem poder eternizá-las no papel - Suave brisa - dissiparam-se no ar P'ra - quem sabe? - outro poeta as ouvirem E colher o que eu não pude atentar. Dedicar-se unicamente à sua arte Deveria o que tem alma de artista, Para o mundo enriquecer com a Beleza, Que é centelha da divina Criação. E enquanto o poeta - e todo artista - É envolvido pelo turbilhão do mundo, Toda a humanidade aos poucos se empobrece Pelas obras que a arte não criou.