«Porque, como os pesadelos, os sonhos também nos arrancam do sono. Do sono de não fazer, de ser assim-assim. Do sono de seguir a norma e de fazer tudo igual e sem barulho. Do sono de manter tudo sossegado. (...) Gosto de ter escolha. Gosto de virar tudo do avesso. Gosto de chorar e de ter medo que as coisas não resultem. Gosto, porque isso é entregar. (...) Um dia, acordamos do sono em que deliberadamente nos induzimos e vemos que viver é algo de muito sério, que Ser feliz é mesmo algo muito, muito sério e, sobretudo, que nos devemos isso. Depois, começamos a aproximarmo-nos de nós... devagar (como quando fazemos amor, ou descobrimos um corpo, devagar, com cuidado... porque isto é a arte de nos amarmos). Começamos a abeirar-nos de nós. (...) E descobrimos uma claridade que nos manda para outro lugar qualquer. Fora do mundo, dentro dele. Não sei. Fora do mundo pequenino em que, às vezes, nos enganamos e escolhemos para viver. (...) Os comboios versam sempre mudanças de estado, passagens de um lugar para outro lugar. E, dentro, cruzam pessoas, as vontades, os desejos, as intenções e os sonhos... mas também as aflições, os pensamentos maus, os medos. E mostram-nos que tudo passa... tudo anda, mesmo sobre ferros sujos. Anda, porque tem de andar. (...) Mas mesmo o mar precisa dos meus olhos para ser Deus; ou eu preciso de o saber ver como Deus para ser salva.»